Não faltam notícias e fatos recentes que nos apontem e proponham discussões sobre as possíveis falhas dos sistemas de pesquisa ou mensuração de resultados baseados apenas em números e algoritmos. Dentre os fatos recentes, podemos citar o erro da maior parte dos institutos de pesquisa ao tentar prever o resultado das eleições americanas, por exemplo. Em busca de respostas que expliquem esse erro, alguns publicitários e profissionais de pesquisa de marketing foram entrevistados por uma série de publicações especializadas do setor. O publicitário e especialista em pesquisa de marketing, Jayme Troinano, afirma que “a inevitável volatilidade de opiniões e desejos tem uma dinâmica mais poderosa do que a precisão dos instrumentos de medida”. (Propmark, 2016). Para Armando Strozenberg, CEO da Z+ no Brasil e presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), “(…) há claras indicações de que ficou bem mais complexa a captação, e a classificação, de uma série de movimentos humanos. Émuito provável que os mecanismos de percepção tradicionais não estejam dando mais conta de suas tarefas por inteiro.” (Propmark, 2016).
Até mesmo o campo da matemática mostra preocupação com o uso exagerado de seus conhecimentos para mensurar desempenhos e avaliar comportamentos. Como reporta a Revista Época Negócios, no recente lançamento editorial, cujo título Weapons of Math Destruction enaltece a gravidade do tema, a matemática Cathy O’Neil revela o que a preocupa. Segundo informa a reportagem “a confiança em algoritmos ultrapassou os limites desejáveis, pois eles não são capazes de captar conceitos inquantificáveis.” A autora declara que, para ela, modelos estatísticos, e seus famosos algoritmos seriam, na verdade, “opiniões envoltas em matemática”. Ou seja, não há neutralidade em seu uso, como alguns dos entusiastas desses métodos de tomada de decisão e pesquisa defendem. O artigo publicado reforça ainda a preocupação da autora quando afirma que “um simples algoritmo considera apenas o resultado de uma ação, não seu contexto ou desafios.” E é para essa defesa da contextualização que as metodologias de pesquisa das Ciências Sociais, principalmente as de cunho naturalista, apontam. Nelas o que se privilegia é a observação do fenômeno social em seu ambiente natural, sem desprezar nada do que ocorre em seu contexto. Também os chamados Estudos Culturais prezam pelo contexto e conjuntura para compreender os fenômenos sociais, e adequam até mesmo os seus métodos de pesquisa à conjuntura de cada questão a ser estudada (BRAGA, 2013).
Esse imperativo dos números e prevalência da estatística como ciência que busca dar conta da tradução do mundo em sentido é, segundo Neil Postman (1994) a figura central do que ele chama de tecnopólio.
“Desvalorizamos a capacidade humana singular de ver as coisas como um todo, em todas as suas dimensões psíquicas, emocionais e morais, e a substituímos pela fé nos poderes dos cálculos técnicos. (…) Na verdade, o computador torna possível a realização do sonho de Descartes de matematização do mundo. Os computadores tornam fácil converter fatos em estatísticas e traduzir problemas em equações. E ao mesmo tempo que isso pode ser útil (como no momento em que o processo revela um padrão que de outra maneira não teria sido notado), também pode ser diversivo e perigoso quando aplicado de forma indiscriminada nos assuntos humanos.” (POSTMAN, 1994, p.124-125)
O autor aborda criticamente a forma como a estatística confiou à pesquisa de opinião ou survey um nível de confiabilidade extremo, mas que, segundo ele, nem sempre seria útil. Também nos alerta sobre quatro problemas característicos das pesquisas de opinião: a maneira como as perguntas são formuladas; opinião entendida como algo fixo e interno, que deve ser extraído, e não como um fluxo em construção constante, um “processo de pensamento moldado pela contínua aquisição de conhecimento”, e além disso, ignora-se a maneira como as pessoas emitem a sua opinião, já que só se tem como objetivo medir a opinião em si; o fato de ignorarem em geral o conhecimento necessário para que as pessoas respondam às pesquisas; e, por último, as tomadas de decisão passam a ser pautadas apenas nas pesquisas de opinião, eximindo a responsabilidade de quem decide.
“Assim como a estatística gerou uma gigantesca indústria do teste, ela fez o mesmo com a pesquisa de opinião pública. Podemos admitir, a princípio, que existem alguns uso confiáveis para a pesquisa de opinião, sobretudo quando o caso envolve uma pergunta muito restrita, como “você planeja votar em X ou Y?”. (POSTMAN, 1994, p.138).
Retomando os exemplos mais recentes de como o mercado vem aos poucos despertando para a complexidade do entendimento do comportamento social, há outros indícios desse movimento, ainda incipiente, de reflexão e mudança de visão, quando observamos lançamentos editoriais, como o livro Small Data. Tal iniciativa busca contrapor a visão hegemônica da estatística e da matemática, representada, por exemplo, pela publicação antagônica, que carrega o título Big Data, que simboliza a forma como a maior parte das empresas tomam suas decisões de negócio: apenas com base na avalanche de dados numéricos gerados e armazenados em seus bancos de dados. Indo contra a maré, o autor Martin Lindstrom, com seu recente lançamento, visa propor outra perspectiva sobre o entendimento dos indivíduos e suas relações sociais, aplicadas ao consumo. Segundo o autor 3 “o mundo corporativo está totalmente cego pelo Big Data. No entanto, é extremamente difícil descrever emoções usando dados.” Ao longo de seu livro, ele descreve uma série de experiências de empresas que buscaram respostas aos seus desafios de negócios a partir de metodologias qualitativas, como observação e entrevista em profundidade, para fugir da exclusividade e ditadura dos números. Pelo menos, ao que parece, parte do mercado vem despertando para o entendimento de que tentar dar conta das complexidades sociais a partir de uma única perspectiva – a quantitativa – tem parecido cada vez mais frágil.
Em muitas pesquisas de marketing, o consumidor é visto como que isolado socialmente, como um ser autômato e não como sendo apenas um dos diversos papeis sociais que tem. Além disso, é ainda enxergado como sendo formado por um conjunto de componentes independentes: uma camada biológica, uma camada emocional ou psicológica e uma camada cultural ou social. Como se essas partes não formassem um todo complexo e inseparável. No entanto, devemos entendê-lo como sendo parte integrante e integrada à cultura corrente. Isso só fortalece a questão anteriormente levantada de que se olhamos apenas um aspecto do objeto pesquisado, esquecemos o contexto.
A intenção aqui não é desmerecer um método em detrimento da exaltação de outro. Mas sim de alertar para importância de se respeitar os preceitos dos métodos de pesquisa, e de se buscar o equilíbrio no uso dos mesmos, sem tender a extremos, nem para o exclusivamente quantitativo, nem para o preponderantemente qualitativo. Tudo vai depender do que se quer investigar, da sua questão de pesquisa. Mas deve-se estar atento à impossibilidade de se estudar fenômenos sociais sem considerar o seu contexto. Caso contrário, o que o resultará ao final da pesquisa será uma representação ainda mais reduzida da realidade. Sabemos que, como Howard Becker coloca, qualquer representação é uma redução da realidade. Mas se considerarmos o contexto em que os fenômenos observados em nossos estudos sociais ocorrem, nossas representações abarcarão mais sutilezas e detalhes dessa realidade representada, tornando assim as conclusões de pesquisa mais precisas.
Por Bianca Dramali